Pinker vs Princípio da Igualdade
9 de Dezembro de 2024
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
O lançamento da Pinker foi anunciado na semana passada como a única plataforma TVDE
a operar em Portugal de utilização exclusiva por mulheres – quer como motoristas, quer
como clientes. A plataforma estaria preparada para começar a operar em poucos dias, mas,
entretanto, a licença (que já lhe havia sido concedida) foi suspensa pelo IMT, entidade que
veio suscitar dúvidas quanto ao cumprimento do princípio da igualdade.
Estará em causa uma possível violação do artigo 7.º da Lei n.º 45/2018, de 10 de Agosto,
que, sob a epígrafe “não discriminação”, estatui, relativamente àquela atividade, que “os
utilizadores, efetivos e potenciais, têm igualdade de acesso aos serviços de TVDE, não
podendo os mesmos ser recusados pelo prestador em razão, nomeadamente, de ascendência,
idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, origem ou
condição social, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território
de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.” Falamos,
portanto, do princípio da igualdade, consagrado como princípio fundamental no artigo
13.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, direitos fundamentais – mesmo os mais fundamentais, como a igualdade – não são
absolutos, podendo, e devendo, ser restringidos na exata medida em que tal restrição se
mostre essencial para acautelar outros direitos, de acordo com uma ponderação feita à luz
da proporcionalidade. Por outro lado, aquilo que, à primeira vista, pode apresentar-se
como uma compressão de determinado direito pode, na verdade, constituir uma medida
corretiva destinada a efetivar o próprio direito.
Em teoria, até poderíamos reconduzir a situação da Pinker a esta última hipótese, pois
que, alegadamente, esta plataforma surge para tentar ajudar a resolver um problema de
segurança das mulheres que utilizam plataformas TVDE com motoristas homens,
acabando por, neste cenário, ajudar a combater a desigualdade – discriminação positiva,
portanto. Mas em concreto poderá não ser assim.
O problema no que à segurança sexual das mulheres diz respeito existe (os números
relativos à violência sexual estão aí e não deixam margem para dúvidas) mas legitimar
aquela restrição de acesso dos homens à plataforma implica que se afira, de forma
objetiva, se existe um problema de segurança das mulheres em concreto na utilização
daquelas plataformas que justifique a compressão da igualdade. E, aparentemente, essa
análise não foi feita. Por outro lado, e indo um pouco mais longe, será que não faz sentido
refletirmos, enquanto sociedade, sobre se será assim que pretendemos resolver o
problema: restringindo o acesso aos homens, eventualmente reduzindo alguns números
(mas parece-me que eventualmente mascarando o problema) com o recurso a uma espécie de segregação entre homens e mulheres, que, ainda que com contornos diferentes,
não pode deixar de nos remeter para outros tempos?