Palmada: crime ou educação?
20 de Junho de 2024
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra
Até atingir a maioridade, os direitos da criança são – ou deveriam ser – assegurados pelos seus pais ou por quem estiver encarregue das responsabilidades parentais. E se, na grande maioria dos casos, são os pais o lugar de refúgio por excelência das crianças, a verdade é que a violência parental está longe de estar erradicada. É neste contexto que surge a discussão sobre a palmada educativa (chamemos-lhe assim), pois que se actualmente já são social e juridicamente inaceitáveis agressões físicas violentas como forma de educar as crianças, a verdade é que aquela palmada educativa continua a dividir opiniões, existindo ainda muitos pais que a utilizam como forma de cumprirem o poder – dever de educar (que encontra assento no artigo 1885.º do Código Civil e abrange o poder de corrigir), mas também quem considere tal forma de educar totalmente inaceitável.
Em termos jurídico–penais, os castigos físicos infligidos a menores podem ser enquadrados como violência doméstica, se reunidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal. Para o que ora nos interessa, prevê tal normativo legal que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais a menor que seja seu descendente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. A condenação neste tipo de crime pode, atenta a concreta gravidade do facto, implicar a inibição das responsabilidades parentais por um período de 1 a 10 anos, nos termos do n.º 6 do referido preceito. A violência contra menores pode ainda ser enquadrada como crime de maus tratos (previsto e punido pelo artigo 152 – A do Código Penal) ou como um crime de ofensa à integridade física simples, plasmado no artigo 143.º do referido diploma legal.
A averiguação do relevo penal da palmada educativa (e da necessidade de punir o seu autor para protecção da criança) implicará sempre o confronto entre os tipos de crimes acabados de mencionar e o supra mencionado poder – dever de educar. Desta forma, um eventual enquadramento penal passará sempre pela análise da conduta por forma a aferir da sua adequação e proporcionalidade, tendo por referência a intenção educativa incluída naquele poder – dever de educar. Em termos penais, a fronteira será delimitada através de uma eventual exclusão da ilicitude nos termos do artigo 31.º do Código Penal, pois que a conduta poderá não ser punível se o facto foi praticado no exercício de um direito ou até no cumprimento de um dever (in casu, o de educar), até porque, no limite, uma atitude de nada fazer pode também levar a uma intervenção, ainda que em sede do direito tutelar dos menores.