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Pacote Mais habitação – Para além da bruma

João Mota da Costa escreve na revista Vida Judiciária, sobre o pacote Mais Habitação, o seu impacto no mercado imobiliário e nas condições de acesso à habitação dos cidadãos.

25 de Janeiro de 2024

Texto de opinião de João Mota da Costa publicado na revista Vida Judiciária em Janeiro de 2024.

O “pacote mais habitação”, constante, entre outras, da Lei n.º 56/2003, foi publicado no passado dia 06 de Outubro entrando em vigor no dia imediatamente seguinte. Este diploma legal, amplamente divulgado e intensamente esmiuçado contém, para além das questões que ocuparam os espaços de discussão pública, uma série de outras medidas que, prosseguindo o (mesmo) objectivo de mitigar o problema transversal da sociedade portuguesa no que diz respeito às condições de acesso à habitação, se foca, antes, no financiamento e investimento tendente à construção e reconstrução de habitações a colocar no mercado de arrendamento na modalidade de arrendamento acessível.

Criam-se, assim, neste Diploma, uma série de mecanismos que, visando a dinamização do mercado de arrendamento em termos previamente controlados, têm como fim último criar incentivos, directos e indirectos, à construção, reabilitação e exploração de imóveis.

O primeiro desses mecanismos consubstancia-se em dois tipos de apoio, (1) uma linha de financiamento a particulares e (2) a cedência de terrenos e edifícios públicos a particulares tendo em vista a promoção de habitação para arrendamento acessível.

No que toca à linha de financiamento prevê-se a disponibilização de uma linha de financiamento, com garantia mútua e bonificação da taxa de juro, para projectos na área da habitação acessível, seja de construção ou reabilitação, incluindo, neste âmbito, a aquisição de imóveis para este efeito e posterior arrendamento. Estarão em causa € 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de euros), a disponibilizar e promover pelo Banco Português do Fomento. Os termos e condições de acesso a esta linha de financiamento serão regulamentos por portaria própria dos membros do Governo responsáveis pela áreas da economia, finanças e habitação, mediante proposta do Banco Português do Fomento e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P..

As posteriores vendas de habitações construídas com recurso a este financiamento ficam limitadas aos parâmetros e valores em vigor para a habitação a custos controlados, nomeadamente quanto ao custo de promoção por metro quadrado, sendo o preço da renda fixado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de Maio que cria o Programa de Arrendamento Acessível, estabelecendo as condições da sua aplicação.

As habitações cuja construção ou reabilitação seja feita com recurso a este financiamento ficam, caso se destinem ao arrendamento, obrigatoriamente adstritas às condições previstas para arrendamento acessível pelo período de 25 anos. Decorrido este prazo, e em caso de venda, os municípios e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. têm direito de preferência na aquisição destas habitações, por valor calculado de acordo com a legislação aplicável à promoção de habitações a custos controlados, reportados à data de conclusão do empreendimento e actualizados pelo factor de correcção monetária.

O segundo destes mecanismos consubstancia-se na possibilidade de cedência de terrenos e edifícios públicos a particulares com vista à promoção e disponibilização para arrendamento acessível. Esta afectação de património opera-se através da cedência do direito de superfície, por um período máximo de 90 anos, direito este cuja transmissibilidade, como se entende, é admitida desde que se salvaguardem os direitos e deveres inerentes, nomeadamente o dever de afectação das habitações ao mercado de arrendamento nos termos e condições previstos para o arrendamento acessível.

Para além desta vertente de financiamento e cedência de terrenos e edifícios públicos, a Lei n.º 56/2003 prevê ainda um outro mecanismo que prossegue, também ele, a vertente dinamizadora do mercado de arrendamento com a inerente sujeição ao controlo e acessibilidade no que a custos respeitas, desta feita através do financiamento dos municípios para a realização de obras coercivas. Esta linha de financiamento, no valor de € 150.000,000,00 (cento e cinquenta milhões de euros), é também promovida pelo Banco Português do Fomento, tem garantia mútua e bonificação da taxa de juro, e destina-se a ser utilizado em habitações cuja intervenção do município estivesse, por conta da segurança, salubridade e conservação, legitimada ao abrigo do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, passando esta intervenção a destinar-se à reabilitação das habitações para colocação no mercado para arrendamento acessível.

Numa outra vertente, e ainda naquilo que são as medidas que ocuparam, com menos intensidade, o espaço público, a Lei n.º 56/2003 prevê ainda uma série alterações ao regime fiscal que operam, por um lado, através da penalização, do ponto de vista do impacto fiscal, na propriedade de imóveis devolutos e na exploração de imóveis para actividades de alojamento local, reduzindo, em objectivo oposto, o impacto e esforço fiscal na afectação ou construção de imóveis que se destinem à colocação no mercado de arrendamento acessível, com implicação nos sujeitos passivos de IRS e IRC.

Em suma, a este propósito, há a destacar, relativamente ao primeiro objectivo, a elevação em 10 vezes e o agravamento anual em 20% do IMI dos imóveis ou fracções autónomas devolutas há mais de um ano ou em ruínas.

E é também neste âmbito que é criada a contribuição extraordinária sobre os apartamentos a ser explorados no âmbito do alojamento local, contribuição esta que incide sobre apartamentos e estabelecimentos de hospedagem destinados a esta actividade. A situação do imóvel é verificada com referência a 31 de dezembro de cada ano civil, sendo a taxa desta contribuição de 15% com base tributável constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais sobre os quais incida a contribuição.

Já em sentido contrário, tendo em vista criar um incentivo à afectação e construção de imóveis que se destinem ao mercado de renda acessível foi alterado o Estatuto dos Benefícios Fiscais passando a prever-se a isenção de IMI durante três anos para quem compre, construa ou reabilite imóveis destinados ao mercado de arrendamento acessível. A isenção começa a contar da data de aquisição, mas o proprietário pode pedir a sua renovação por mais cinco anos, desde que mantenha os pressupostos da atribuição da isenção.

Em suma, pretende-se, com a Lei n.º 56/2003 controlar – reduzindo -, nos casos específicos de Lisboa e do Porto, a afectação de imóveis à exploração de actividades de alojamento local, considerando-se que estes imóveis foram e são subtraídos ao mercado de arrendamento, ao mesmo tempo que se pretende dinamizar a construção e reabilitação de imóveis – incentivando-se -, sob a condição dos preços praticados, seja na venda ou arrendamento, estarem sujeitos aos limites pré-impostos pelo programa do arrendamento acessível e da habitação a custos controlados.

No que às medidas aqui analisadas respeita, e não colocando em causa que, de facto, elas se traduzem em benefícios e apoios directos à dinamização controlada do mercado de arrendamento, teme-se que a sua virtualidade se esvazie, em alguns casos, na burocracia e agilização necessária, bem assim como no seu (reduzido) impacto ponderado para proprietários e investidores.

O Diabo está nos detalhes.