As doações entre cônjuges

3 de Março de 2025
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
O instituto jurídico da doação surge no ordenamento jurídico português como o contrato através do qual uma pessoa transfere para outra pessoa de forma gratuita e à custa do seu património uma coisa ou um direito. Se as partes envolvidas neste negócio estiverem unidas também pelo casamento qual o concreto regime aplicável?
Ora, tendo em conta os efeitos patrimoniais do casamento, bem assim como as regras existentes quanto aos regimes de bens – destinadas, também, a proteger terceiros que com os cônjuges possam ter relações jurídico – comerciais -, as doações entre casados têm um regime específico, obedecendo a um conjunto de regras concretamente definidas tendo em conta a especial relação que une as partes e os efeitos, nomeadamente patrimoniais, que a mesma tem.
Desde logo, se vigorar o regime imperativo da separação de bens (casamentos celebrados sem precedência do processo preliminar e casamentos celebrados por quem tenha completado sessenta anos de idade) não são permitidas doações entre os cônjuges – e é assim pois que permitir doações nestes casos significaria criar um escape para o regime de bens que se quer imperativo. Quando permitidas, as doações apenas poderão ter como objeto bens próprios do cônjuge doador, sendo que os bens doados não são comunicáveis, ou seja, nunca se tornam bens comuns, independentemente do regime de bens existente.
Por outro lado, ao contrário do que acontece para as doações entre não casados, exige-se a que as doações de bens móveis entre cônjuges constem de documento escrito, ainda que acompanhadas da entrega do bem. De referir ainda que não é permitido aos cônjuges fazerem doações recíprocas no mesmo ato, assim se pretendendo evitar que um dos cônjuges seja influenciado pela doação do outro para fazer a sua doação.
Ainda que permitidas de acordo com as regras referidas, importa ter presente que as doações entre casados podem a todo o tempo ser revogadas de forma unilateral pelo cônjuge doador – possibilidade de revogação a que os cônjuges não podem renunciar, ainda que a mesma não se transfira para os herdeiros do doador, no caso da morte deste. A doação caduca caso o donatário faleça antes do doador, salvo se este confirmar a doação nos três anos seguintes à morte daquele, bem assim como nas situações em que o casamento seja declarado nulo ou anulado, ou de divórcio, já que que este implica a perda de todos os benefícios recebidos ou que tenha a receber do outro cônjuge. Caducando a doação, o bem em causa reverte automaticamente ao património do doador.
Assim, ainda que a doação entre cônjuges seja permitida em determinados contextos e se cumpridas determinadas regras, importa ter presente que, atenta a especial relação preexistente à doação, e os efeitos patrimoniais da mesma, a quebra dessa relação poderá implicar a caducidade da doação.