Acelerador de progressões na Administração Pública e contratação a termo

6 de Março de 2025
Nota Informativa por Bruno Martelo
Com o anunciado intuito de reduzir o impacto dos períodos de congelamento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público – tudo temperado com desejos de valorização e melhoria das condições de exercício das funções públicas – o Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de Agosto, veio estabelecer um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras.
O âmbito de aplicação do referido diploma legal abrange os trabalhadores integrados em carreira que, à data da sua entrada em vigor – 1 de Janeiro de 2024 – . reúnam os seguintes requisitos cumulativos:
a) Efectuem a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório em razão de pontos acumulados nas avaliações de desempenho;
b) Detenham 18 ou mais anos de exercício de funções integrados em carreira ou carreiras, abrangendo os períodos compreendidos entre:
i) 30 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007;
ii) 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2017.
Ora, entre as várias questões que se têm colocado relativamente à aplicação do comummente designado “acelerador de progressões”, está a de saber se o tempo de serviço prestado à Administração Pública ao abrigo de um contrato de trabalho a termo resolutivo releva para a contagem dos 18 anos de exercício de funções.
Prima facie, a referência que o legislador faz à necessidade de os 18 anos de exercício de funções terem de o ser com o trabalhador integrado em carreira ou carreiras parece bastante para dissipar todas as dúvidas. Com efeito, retira-se do n.º 6 do artigo 56.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que não são aplicáveis ao vínculo de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, entre o mais, as normas relativas a carreiras, e, nessa medida, como a jurisprudência dos tribunais administrativos vem assinalando, não pode dizer-se que os trabalhadores contratados a termo estejam integrados em carreiras. A própria Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público é peremptória nas suas faqs: o tempo de serviço só pode relevar se existir norma legal que expressamente atribua relevância ao serviço prestado ao abrigo de um contrato individual de trabalho ou de um contrato a termo resolutivo (contrato a termo certo ou incerto).
A verdade, porém, é que há situações – recentes – em que se reconhece que o tempo de serviço prestado por trabalhadores da Administração Pública ao abrigo de contratos de trabalho a termo resolutivo deve ser considerado para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório. É o que se passa, por exemplo, com as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem, por aplicação do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro.
Temos, então, que o tempo de serviço prestado por esses trabalhadores ao abrigo de um contrato que não os integrava em carreira acaba por ser relevante para progressão na carreira a que, posteriormente, acederam. Ora, essa circunstância, para além de suscitar dúvidas relativamente à questão de saber se esses trabalhadores podem ter esse tempo, também, contabilizado para efeitos de aceleração do desenvolvimento de carreiras – porque será absolutamente incoerente que não tenham -, acaba por gerar, por outro lado, a ideia de tratamento discriminatório relativamente aos demais trabalhadores em funções públicas.
Acresce que a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, e a interpretação que faz da Directiva n.º 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 1999, aponta no sentido de que o tempo de serviço prestado por um trabalhador da Administração Pública ao abrigo de um contrato de trabalho a termo resolutivo não pode, salvo por razões objectivas, ser desconsiderado para efeitos de evolução na carreira a que esse trabalhador tenha, entretanto, acedido.
Assim, a desconsideração, para efeitos de aplicação do “acelerador de progressões”, do tempo de serviço prestado ao abrigo de contratos a termo resolutivo, para além de se mostrar em dissonância com as posições que a Administração tem assumido relativamente a essa contabilização para outros efeitos, nos termos expostos, parece, também, estar em divergência com o Direito da União Europeia.
E – convenhamos – se um trabalhador exerceu funções para a Administração Pública ao abrigo de um contrato de trabalho a termo resolutivo e, posteriormente, passou a exercer essas mesmas funções – o mais das vezes sem qualquer hiato temporal – ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, justifica-se um impedimento legal a que aquele primeiro período seja contabilizado para efeitos de progressão na carreira?
Eis a questão!