A Culpa no Divórcio
3 de Fevereiro de 2025
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
De acordo com a legislação atualmente em vigor, um pedido de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge não implica que se alegue a violação de um qualquer dever inerente ao contrato celebrado, estabelecendo o artigo 1781.º do Código Civil, como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, para além do mais, quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento. Ou, dito de outra forma, desde 2008 que deixou de ser necessário invocar um comportamento culposo por parte do outro cônjuge para que alguém possa, sozinho, pedir a dissolução do casamento. E, consequentemente, a sentença que vier a decretar o divórcio, não conterá uma declaração de culpa, como acontecia até há uns anos.
Assim, independentemente do consentimento do outro cônjuge, sendo alegados factos que demonstrem a rutura definitiva do casamento, o divórcio será decretado. É o chamado Divórcio – Constatação da Rutura Conjugal.
Mas onde fica então a culpa nestes casos? Tem a mesma alguma consequência? É que a celebração do casamento implica direitos e obrigações, estabelecendo, desde logo, o artigo 1672.º do Código Civil que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Ora, existindo obrigações, onde fica então a tutela jurídica para as situações em que tais deveres são violados?
Ainda que a violação de tais deveres não consubstancie necessariamente o fundamento de divórcio, a verdade é que não deixou o legislador de estabelecer consequências para tal violação, estabelecendo o artigo 1792.º o direito de o cônjuge lesado pedir a reparação dos danos sofridos, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Assim, em teoria, todos os danos causados por um cônjuge ao outro, como consequência da violação de um ou mais dos deveres conjugais, poderão determinar a fixação de uma indemnização para reparação dos danos provocados. Sucede que a remissão feita no mencionado artigo (“nos termos gerais da responsabilidade civil”), implica que o direito ao ressarcimento dos danos provocados apenas exista quando a violação dos deveres conjugais consubstancie também a violação dos deveres de personalidade do outro cônjuge, deveres estes absolutos e aptos a fazer operar o instituto jurídico da responsabilidade civil extracontratual.
Assim, ao mesmo tempo que o casamento foi reconhecido como um espaço de liberdade, de realização pessoal e de busca pela felicidade, abandonando-se a ideia de perpetuidade do casamento, não deixou o legislador de tutelar a eventual violação dos deveres inerentes ao casamento, desde que se encontrem reunidos os pressupostos gerais da responsabilidade civil, ainda que enquadrados pelos concretos deveres e obrigações nascidos com a celebração do casamento.