Nota Informativa
Vira o disco e toca o mesmo: os pais de filhos menores de 12 anos podem não trabalhar ao fim-de-semana?
Nos últimos dias, na sequência de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em Outubro de 2022, muitos órgãos de comunicação social têm noticiado que os empregadores são obrigados a dispensar os seus trabalhadores, pais de filhos menores de 12 anos, de prestarem a sua actividade profissional ao Sábado e ao Domingo.
Para aferir o real impacto de tal acórdão importa, antes de mais, atentar à concreta factualidade subjacente ao mesmo.
Assim, e em síntese, uma trabalhadora, no ano de 2019, solicitou à sua entidade empregadora a concessão de um horário flexível, tendo pedido, mais especificamente, que as suas folgas fossem gozadas ao Sábado e ao Domingo. Para tanto, alegou que era mãe de dois filhos menores de 12 anos, de 6 e 10 anos de idade, à data do pedido; que o seu marido, pai das crianças., trabalhava por turnos em semanas alternadas e fins-de-semana; que a creche só funcionava de Segunda a Sexta-Feira; que o orçamento familiar, escasso, não permitia a contratação de uma ama; e que, portanto, aos Sábados e Domingos não tinha quem cuidasse dos menores.
A entidade empregadora da trabalhadora, confrontada com este pedido, demonstrou a intenção de não o aceitar, nos seus exactos termos, alegando que o regime de horário flexível não permite aos trabalhadores a escolha dos dias de folga, pelo que a dispensa de trabalho ao Sábado e ao Domingo só poderia ocorrer a título excepcional, quando fosse possível. Considerando a intenção de recusar o pedido, o empregador enviou uma carta à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), onde demonstrou, precisamente, a sua intenção. A CITE emitiu parecer desfavorável à pretensão da entidade empregadora, determinado a lei que, nestas circunstâncias, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo. A entidade empregadora da trabalhadora viu-se, assim, obrigada a avançar com uma acção judicial, figurando na mesma como autora e a trabalhadora como ré, pedindo ao tribunal que reconhecesse os seus motivos para não aceitar o pedido apresentado.
Após as decisões que, inicialmente, deram razão ao empregador, a trabalhadora conseguiu que a questão fosse apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mediante a interposição de um recurso, tendo este, por acórdão datado de 12.10.2022, decidido que assiste à trabalhadora o direito de, perante as circunstâncias do seu caso, não prestar trabalho ao Sábado e ao Domingo.
Antes de passarmos à apreciação, concreta, do acórdão, nomeadamente ao real alcance do mesmo, cumprirá referir que, nos termos do que se encontra previsto no Código do Trabalho, o trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos. Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. O empregador, conforme dispõe a lei, apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
Posto isto, o que é que sucedeu no caso em apreço?
O Supremo Tribunal de Justiça entendeu, por um lado, que o regime de horário flexível tem prescrição constitucional, permitindo e promovendo a conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Assim, e na sequência de decisões que anteriormente já haviam sido firmadas pelo mesmo tribunal, defendeu, também, que a lei não exclui a inclusão do descanso semanal no regime de flexibilidade de horário de trabalho, contrariamente ao entendimento que a entidade empregadora tinha manifestado, na resposta que apresentou à trabalhadora.
Por outro lado, e é aqui que reside a questão essencial, o Supremo Tribunal de Justiça julgou que a entidade empregadora não aceitou o pedido apresentado pela trabalhadora sem que, para tal, tivesse feito uso dos únicos argumentos que a lei permite: a) exigências imperiosas do funcionamento da empresa; b) impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável. Pode ler-se no acórdão em análise que “no caso sub judice, para a recusa do pedido da Ré, a Autora não invocou qualquer facto que impossibilitasse o normal funcionamento da “loja …” (…) nem invocou a impossibilidade de substituir a Ré, por ser indispensável”.
Aqui chegados, temos, portanto, dois pontos essenciais a destacar. Um, relativamente ao facto de a questão que foi apreciada neste acórdão não ter nada de novo. Inclusivamente, a própria decisão do tribunal cita outras, anteriormente proferidas. Outro, relativo aos motivos que determinaram a concerta decisão de a entidade empregadora dispensar a trabalhadora da prestação de trabalho aos Sábados e aos Domingos, considerando as suas concretas situações pessoais e familiares. Quanto a este aspecto, o empregador deveria, logo numa fase inicial, ter invocado, de modo fundamentado, os argumentos que, possivelmente, lhe teriam permitido, sem eventuais desassossegos, recusar o pedido. Não o tendo feito, não deu, segundo o que se pode ler no acórdão, cumprimento às disposições legais aplicáveis a esta matéria, motivo pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça não lhe deu razão.
Assim, contrariamente ao que os órgãos de comunicação social têm vindo a transmitir, as entidades empregadoras não são, sem mais, e por força do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, obrigadas a dispensar os seus trabalhadores, pais de crianças menores de 12 anos, da prestação de trabalho ao Sábado e ao Domingo. Quando confrontadas com pedidos de horário flexível, apresentados nestes termos, as entidades empregadoras deverão apresentar a(s) sua(s) resposta(s) aos mesmos e, se for sua intenção recusar, então deverão invocar, para o efeito, como motivo, ou as exigências imperiosas do funcionamento da empresa e/ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, remetendo, posteriormente, o processo para a CITE.
Conclui-se, por tudo o exposto, que, de facto, os pais de crianças menores de 12 anos poderão não prestar a sua actividade laboral ao Sábado e ao Domingo, desde que, legalmente, se encontrem reunidas as condições para o efeito. Mas já era assim antes de proferido o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.