E para os empreiteiros não vai nada, nada, nada?

E para os empreiteiros não vai nada, nada, nada?

Nota Informativa

Paulo Valério

Advogado/Lawyer

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresenta-nos um roteiro sobre o futuro da economia nacional. Essencialmente, tem sido visto como o guião para o investimento elegível com base na famosa bazuca e nele se deposita considerável esperança, face aos efeitos económicos da pandemia. Os que conhecemos. E os que ainda vamos conhecer.

Mas o PRR não é apenas isto. Nele, o governo compromete-se também com um conjunto de medidas legislativas, nos mais diversos sectores, onde avulta a justiça económica, tantas vezes apontada como factor de entropia e de desconfiança por parte de investidores estrangeiros. Com efeito, o tempo e o modo para a recuperação de créditos; mas também – é preciso dizê-lo! – o ecossistema jurídico para a recuperação de empresas que atravessem dificuldades, são vitais para a atracção de investimento e, por isso, para a competitividade da nossa economia.

Neste quadro, ficámos a saber esta semana que o governo se comprometeu em Bruxelas com o seguinte: “Tendo em vista o reforço da posição do credor hipotecário (mortgage lender/creditor) proceder-se-á à revisão do regime de preferência do direito de retenção no confronto com a hipoteca.”

Genericamente, o direito de retenção, previsto nos artigos 754º e seguintes do Código Civil, consiste na faculdade conferida ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.

O direito de retenção tem, por isso, além de uma função coerciva (executar a coisa), uma função de garantia (ser pago com preferência sobre os demais credores).

Gozam de direito de retenção diversos tipos de credores, sendo pacífica a sua atribuição ao empreiteiro sobre a obra em construção ou já construída, quer para garantia das despesas efectuadas na coisa, quer ainda para garantia do próprio preço; ou – mais controvertida, mas estabilizada juridicamente através de Acórdão do STJ de 2014 -, ao consumidor promitente-comprador em contrato promessa com eficácia meramente obrigacional com “traditio”, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência.

E, em qualquer dos casos, o direito de retenção sobre coisa imóvel prevalece sobre a hipoteca (por exemplo, do banco que financiou a construção), ainda que esta tenha sido registada anteriormente.

Neste contexto, houve quem, como eu, considerasse que o compromisso assumido no PRR tinha como alvo, precisamente, o direito de retenção do promitente-comprador, tema que ainda mantém alguma sensibilidade no cotejo entre o interesse dos consumidores e o interesse dos bancos. Porém, o governo já veio esclarecer a medida, dizendo que o que está em causa é o direito de retenção exercido pelo empreiteiro e a sua prevalência face à hipoteca do banco.

Sendo prudente esperar pela redacção final da alteração ao Código Civil preconizada, na prática, pretende o governo que o empreiteiro a quem não é paga a construção de uma determinada empreitada deixe de poder exercer direito de retenção sobre a obra ou, exercendo, veja esse direito soçobrar perante um eventual crédito do banco face ao dona da obra.

O tema suscita diversas perplexidades de ordem jurídica, seja por uma certa disrupção sobre um direito de retenção a favor do empreiteiro que é pacificamente aceite (ou tolerado) por todos; seja por razões de ordem constitucional, relacionadas com uma eventual discriminação dos empreiteiros, face a outros titulares de direito de retenção.

Em todo o caso, valerá a pena estar atento e, sempre que necessário, obter conselho especializado. É que, se depender do governo  – e com uma crise à porta – nestas situações, para o empreiteiro não vai mesmo nada, nada, nada! Efe-erre-a.

A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstrata, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. Para mais esclarecimentos contactar geral@vf-advogados.pt

Moratórias: se é para negociar, que seja a sério

Moratórias: se é para negociar, que seja a sério

Nota Informativa

Paulo Valério

Advogado/Lawyer

O final de março chegou com a notícia do fim das moratórias privadas concedidas aos clientes bancários.

Com efeito, desde o início da pandemia e com o objectivo de mitigar o impacto financeiro das medidas de confinamento, o sistema de moratórias – públicas e privadas – impôs-se como um remédio de largo espectro. Por um lado, protegeu-se as empresas e as famílias, num momento em que uma abrupta perda de rendimentos ameaçava a possibilidade de cumprimento dos seus créditos; por outro, criou-se um escudo para proteger o balanço dos bancos que, com grande probabilidade, não resistiriam a um cenário de incumprimento generalizado.

Certo é que as moratórias privadas concedidas a particulares, para créditos a habitação e outros hipotecários, terminaram a 31 de março. E nos demais créditos terminarão, no máximo, a 30 de junho.

Quanto às moratórias públicas, concedidas a particulares, terminarão a 30 de setembro ou, no limite, a 31 de dezembro. O mesmo sucedendo para as moratórias concedidas a empresas.

Isto dito, a solução que vem sendo avançada pelo Governo e pela Associação Portuguesa de Bancos é uma negociação entre cliente e instituição bancária, com vista a viabilizar a regularização destes créditos.

Ora, certo é que esta via poderá, em muitos casos, revelar-se infrutífera. Seja porque os bancos não são os únicos credores dos seus clientes – sendo insuficiente uma solução que não atenda à necessidade de reestruturar todo o passivo, designadamente, com fornecedores, Estado ou trabalhadores; seja porque os clientes bancários estarão sempre em posição de fragilidade e subordinação – o que, na prática, inviabiliza uma verdadeira negociação, antes redundando numa imposição de regras por parte dos bancos.

Isto posto e face ao final das moratórias, deverão as famílias e as empresas procurar o melhor aconselhamento possível, para garantir que as negociações se desenvolvem com igualdade de armas, legalidade e, sobretudo, representam uma verdadeira solução de médio longo prazo.

Na verdade, já existem diversos instrumentos aptos a realizar estes objectivos, sendo o Processo Especial de Revitalização, no caso das empresas e o Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), no caso dos particulares, os mais paradigmáticos.

Em ambos os casos, é possível, mais do que alcançar um acordo justo, equilibrado e viável, impor uma “moratória” adicional, incidente sobre todos os créditos e com uma duração de pelo menos três meses, para que a negociação resulte no melhor acordo possível para todos os envolvidos, fazendo do sistema financeiro um instrumento ao serviço das famílias e das empresas e não o inverso.

A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstrata, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. Para mais esclarecimentos contactar geral@vf-advogados.pt

OE 2021 – Benefícios fiscais e protecção do emprego

OE 2021 – Benefícios fiscais e protecção do emprego

Nota Informativa

Paulo Valério

Advogado/Lawyer

A Lei do Orçamento de Estado para 2021, aprovada na generalidade, reserva especiais cuidados à protecção da atividade económica e do emprego, face à crise desencadeada pela pandemia.

No que à protecção do emprego diz respeito, ressalta o novo regime extraordinário e transitório de incentivo à manutenção de postos de trabalho, o qual – e apenas para as grandes empresas, com resultado líquido positivo no exercício de 2020 -, condiciona o acesso a um conjunto de apoios públicos e incentivos fiscais ao cumprimento de determinadas obrigações.

Em concreto, determina-se:

  1. A proibição de fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento colectivo, de despedimento por extinção do posto de trabalho, ou de despedimento por inadaptação, bem como de iniciar os respectivos procedimentos, até ao final do ano de 2021;
  2. O dever de manutenção do nível de emprego até ao final de 2021.

Para os efeitos aqui previstos, a manutenção do nível de emprego corresponde à circunstância de, no ano de 2021, a entidade ter ao seu serviço um número médio de trabalhadores igual ou superior ao nível observado em 1 outubro de 2020.

Fica, por esta via, condicionado o acesso: 

  1. A Linhas de crédito com garantias do Estado;
  2. Relativamente ao período de tributação de 2021:
  • Ao benefício fiscal relativo à remuneração convencional do capital social;
  • Aos regimes de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo, relativamente a novos contratos;
  • Ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);
  • Ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II); e
  • Ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II).

 

A exclusão do acesso aos referidos benefícios fiscais traduz-se, no caso de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, num impedimento ao seu reconhecimento na parte em que diga respeito a factos tributários ocorridos no período de tributação de 2021 e, no caso de benefícios automáticos, na sua suspensão durante o mesmo período.

A verificação do nível de emprego, para efeitos deste novo regime transitório, é efectuada de forma oficiosa, designadamente com base na informação prestada pelo ISS, I. P., à AT ou ao organismo competente para a atribuição do apoio público.

A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstrata, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. Para mais esclarecimentos contactar geral@vf-advogados.pt

Racismo no futebol – o que diz a lei?

Racismo no futebol – o que diz a lei?

Nota Informativa

Paulo Valério

Advogado/Lawyer

Aquele a que podemos chamar o caso da semana, envolvendo adeptos do Vitória de Guimarães e o avançado do FC Porto Moussa Marega suscitou uma onda de indignação nacional, cuja tónica assenta na necessidade de prever e punir práticas de natureza racista na sociedade em geral e, em especial, nos espetáculos desportivos.

Neste quadro – e para além de indignações conjunturais – importa reter o que, de essencial e com relevância para o tema, dispõe o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, aliás, recentemente revisto pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro.

Assim:

  1. É condição de acesso a um espetáculo desportivo não praticar atos violentos ou que incitem à violência, ao racismo, à xenofobia, à intolerância nos espetáculos desportivos, a qualquer forma de discriminação ou que traduzam manifestações de ideologia política, incluindo a entoação de cânticos;
  2. É condição de permanência num espetáculo desportivo não entoar cânticos racistas ou xenófobos ou que incitem à violência, à intolerância nos espetáculos desportivos, a qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política;
  3. A violação do acima previsto implica o afastamento imediato do recinto desportivo, a efetuar pelas forças de segurança, sem prejuízo de outras sanções eventualmente aplicáveis.

Neste contexto, a lei define como ilícito de mera ordenação social a prática de atos ou o incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, estando prevista a aplicação de uma coima entre 1000 (euro) e 10 000 (euro), sem prejuízo da possibilidade de aplicação da sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos por um período de até 2 anos

Também os promotores do espetáculo desportivo têm diversas obrigações neste âmbito, designadamente, a de sancionar os seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, manifestações de violência, racismo, xenofobia e qualquer outro ato de intolerância, impedindo o acesso ou mesmo promovendo a sua expulsão dos recintos desportivos. A violação deste dever fá-los incorrer em contraordenação, punida com coima entre 5000 (euro) e 200 000 (euro), também sem prejuízo da possibilidade de aplicação da sanção acessória de realização de espetáculos desportivos à porta fechada, ou da aplicação da sanção acessória de interdição de zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos do respetivo recinto desportivo, por um período de até 12 espetáculos.

O tratamento dado a estas matérias não perclude, naturalmente, a sua relevância em termos disciplinares e penais, conforme aplicável nos termos legais e regulamentares.

A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstrata, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. Para mais esclarecimentos contactar geral@vf-advogados.pt

Carteiras de NPL’s: o gigante com pés de barro

Carteiras de NPL’s: o gigante com pés de barro

Nota Informativa

Paulo Valério

Advogado/Lawyer

Os bancos portugueses estão sobrecarregados com créditos em incumprimento. Aquilo a que, na gíria, se chama crédito malparado. E que, na linguagem críptica do Banco Central Europeu, se vem chamando non-performing loans ou, simplesmente, NPL’s.

Embora existam especificidades na classificação de cada uma destas realidades, todas se reconduzem ao mesmo tipo de situação: os bancos emprestaram dinheiro a clientes que, num dado passo, deixaram de cumprir as suas prestações. No caso português, estamos a falar de milhares de milhões de euros de créditos nestas condições.

Na impossibilidade de cobrar os créditos incumpridos, a maior parte dos bancos tem resolvido o problema vendendo esses créditos a entidades terceiras – que os compram a desconto.

É por isso que a maior parte dos devedores bancários vem recebendo com frequência crescente cartas de entidades que desconhecem, informando que deixaram de ser devedores ao banco e passaram a ter que pagar àquelas entidades. Parece uma forma simples de resolver o problemas dos bancos. Mas este aparente “ovo de colombo” pode revelar-se traiçoeiro.

É que os créditos bancários estão a ser vendidos pelos bancos, não a entidades bancárias, mas a sociedades comerciais comuns, as quais não estão sujeitas a qualquer regulação por parte do Banco de Portugal. E se, até agora, ninguém se tem preocupado com o assunto, a gigantesca proporção que estas operações assumiram em Portugal nos últimos anos pode – e deve – testar o direito e suscitar diversas interrogações.

A actividade bancária é regulada e sujeita à supervisão, não podendo ser exercida por uma sociedade comercial qualquer. Quando um banco resolve vender o seu crédito a uma entidade não bancária, está, na prática, a transferir uma parte do seu negócio para aquela entidade que, por sua vez, passa a actuar no mercado e perante o consumidor cliente bancário à margem de qualquer supervisão.

Do ponto de vista técnico, está por provar se, nestas circunstâncias, a cessão de créditos é legal, dado que, pela sua natureza, o crédito bancário será indissociável da pessoa do credor (no caso, o Banco), esbarrando a cessão numa proibição expressa do Código Civil.

Ao dia de hoje, a maior parte dos juristas dirá que estas operações são perfeitamente legais. Na vertigem das cessões de crédito feitas da noite para o dia, talvez ainda nem tenham parado para pensar nisso. Mas quando, no caso de serem advogados e não representarem os bancos cedentes, receberem no seu escritório devedores a serem executados por uma XPTO limitada qualquer, talvez valha a pena começarem pensar no assunto. Com a atenção que ele merece.

A informação contida na presente Nota é prestada de forma geral e abstrata, pelo que não deverá sustentar qualquer tomada de decisão concreta sem a necessária assistência profissional. Para mais esclarecimentos contactar geral@vf-advogados.pt